A construção da Linha de Alta Velocidade (LAV) foi lançada pela Infraestruturas de Portugal com um caderno de encargos claro: um traçado com cerca de 20% do percurso à superfície, uma nova e única ponte rodoferroviária sobre o Douro e uma estação subterrânea em Santo Ovídio, Vila Nova de Gaia, integrada na rede do Metro do Porto, com ligação a duas linhas de Metro.
Este projeto foi sujeito a concurso público e adjudicado ao consórcio LusoLAV, que se comprometeu a respeitar essas condições.
No entanto, em Junho deste ano, o consórcio apresentou alterações profundas ao plano inicial — transformando a ponte única em duas pontes separadas, deslocando a estação de Santo Ovídio para Vilar do Paraíso, aumentando para quase 60% o traçado à superfície, transferindo encargos para os municípios e desvirtuando qualquer ligação ao metro e respetiva intermodalidade.
Estas mudanças, que reduzem custos privados mas aumentam impactos urbanos, ambientais e sociais, aparentam ter contado com a anuência do executivo camarário de Eduardo Vítor Rodrigues, que chegou a apresentá-las em Assembleia Municipal como uma “alternativa” (imagem 1), mas é público agora que um administrador do LusoLAV, Rui Guimarães, já tinha pedido, numa reunião da Câmara Municipal em Abril, onde apresentou as soluções alternativas, que não se referissem a elas como tal, chamando a isto uma evolução do projeto (imagens 2 e 3).



É neste contexto que a coligação BLOCO + LIVRE + … considera que a nova proposta representa um grave atentado ao interesse público nacional e à qualidade de vida dos gaienses.
O que deveria ser uma infraestrutura estruturante para a mobilidade sustentável no país está a ser transformado num projeto feito à medida de cortes orçamentais e de transferências de custos para os municípios.
Em primeiro lugar, a decisão de aumentar o percurso à superfície de 20% para quase 60% significa multiplicar o número de demolições, expropriações e divisões urbanas.
Mais famílias perderão as suas casas, mais bairros ficarão fragmentados e o ruído associado ao tráfego ferroviário afetará diariamente milhares de pessoas.
Esta alteração, que altera profundamente o impacto urbano e ambiental do projeto, foi apresentada sem que tivesse sido realizado qualquer estudo de impacto ambiental – uma omissão grave e inaceitável.
Em segundo lugar, o consórcio LusoLAV tenta transferir para Vila Nova de Gaia e para o Porto encargos que não lhes cabem: a manutenção de novas pontes rodoviárias, a construção de acessos viários e até investimentos adicionais no Metro do Porto.
O que está em causa é uma estratégia de redução de custos privados à custa do erário público, em clara violação do caderno de encargos, que definia a localização da estação, o tipo de traçado e os requisitos mínimos de integração.
Um dos aspetos mais preocupantes é a proposta de deslocar a estação de Santo Ovídio — subterrânea, pensada para integrar-se com a rede de Metro existente — para uma estação à superfície em Vilar do Paraíso.
Esta alteração compromete a intermodalidade, dificulta a ligação com os transportes coletivos já existentes e cria novos riscos de congestionamento rodoviário, uma vez que não foram realizados estudos de tráfego ou de viabilidade técnica.
A própria Metro do Porto, entidade diretamente afetada, não foi consultada. Para além disto, não se conhece ainda a existência de estudos de impacto ambiental para esta mudança.
Por fim, todo este processo evidencia uma alarmante falta de transparência e de respeito democrático.
Alterações profundas foram apresentadas sem debate público, sem consulta às entidades competentes e ignorando as consequências sociais e ambientais para os habitantes de Vila Nova de Gaia.
Quando o contrato de concessão foi assinado em julho, notámos a incongruência dos comunicados da IP e do consórcio. A IP referia especificamente que a nova estação seria em Santo Ovídio e mencionava uma ponte rodoferroviária.
Já a Mota-Engil comunicou à CMVM que existiria uma estação em Vila Nova de Gaia, sem especificar o sítio, e que contaria com duas pontes. Esta confusão precedeu o que se temia: uma violação do interesse público.
A LAV poderia ser uma oportunidade histórica para melhorar a mobilidade no Norte e ligar Portugal à Europa em condições de sustentabilidade e justiça social.
Vila Nova de Gaia não pode aceitar ser transformada num laboratório de soluções improvisadas, onde se sacrifica a população para reduzir custos privados.